O Surucucu com Inhame é um site que decobri na internet há uns 3 anos, de lá pra cá ele nem foi mais atualizado, mas tem vários textos doentes de uma mente meio perturbada, mas genial. Os textos são pura viagem, eu ria muito ao ler, e indico a vocês. Abaixo, meu texto preferido:
HIPER-AZARADO - Poeticamente, podemos dizer que o hiper-azar é a coroa de espinhos estupidamente cravada na cabeça do sujeito já azarado. Segundo os dizeres do populacho, azarado é aquele que cai do cavalo e ainda leva coice, ou que cai de costas e quebra o nariz, ou ainda, aquele que solta um peido e rasga o cu. Mas lidamos aqui com uma fórmula mais complexa, formada por uma sucessão implacável de acontecimentos irritantes (até então suportáveis pela natureza humana) até fazer do sujeito um autêntico hiper-azarado.
Você pode se considerar como tal quando, por exemplo, vai fazer uma longa viagem de ônibus e dá a sorte de conseguir assento ao lado de uma morena maravilhosa, radiante de saúde... Um par de pernocas à mostra numa saia curtíssima e os seios quase pulando da blusinha decotada e transparente... Basta bater os olhos no jeito da potranca e você pode ver claramente que ela respira e transpira uma só coisa: libido, lubricidade, lascívia, sexo, coito, foda, piru na buceta, bububu no bobobó... O azar começa quando chega um capiau muito desgrenhado, muito bagunçado, muito tonto... Parece que o cara rolou uma pedreira de alto a baixo um minuto atrás, de tão desarrumado. Ele diz: "Ô moça, eu acho qui a sinhora sentô na cadera errada. O numiruzim do meu biête é esse anqui memo." Ela, que já deu calorosas mostras de simpatizar com você, tenta negociar com ele uma troca de posições. Conversa vai, conversa vem, e o matutão continua na mesma. Vendo que o diálogo não progride, ela se vira pra você e diz com os lábios carnudinhos quase tocando o ombrinho nu: "Ia ser uma pena a gente ter que se separar, né mesmo?!" Isto dito de uma maneira tão gostosa que você sente uma pontada dolorosa dentro do peito. "Obrigado, Senhor!", você diz baixinho, cheio de gratidão a Deus. "Hoje é o meu dia!" E a morena continua se empenhando pra ficar do seu lado: "O senhor senta na minha poltrona que é a número 26 e eu fico aqui na poltrona do senhor, entendeu? Pode até levar a minha passagem; toma ó!" Mas parece que ele não quer entender. Você tenta intervir, usando até mesmo de grosseria, mas o matuto, com aquele instinto característico do animal surrado, teme ser punido de alguma forma caso desobedeça aquele documento que ele chama de ‘biête’... "Tem qui fazê as coisa certim!"
E eis você ao lado do filho-da-puta (uma pessoa boa e simplória na verdade, mas, nesta hora, apenas um odiento capiau descabelado de quem você gostaria de cuidar como um veterinário cuida de um cachorro doido). Pelo semblante boquiaberto e remelento de tal criatura, você logo vê que ele irá dormir e babar o tempo inteiro, possivelmente fazendo você de travesseiro. E você tem razão: uma besta assim, ficando sossegada por mais de três minutos, facilmente perde os sentidos. Só que, antes disso, ele logicamente se livrará dos sapatos, e você terá a grata sensação de ter os pulmões estuprados por uma catinga infernal. Então, ele dobra os joelhos e põe uma pata literalmente gosmenta sobre a poltrona, a dois centímetros da sua perna, a menos de um metro do seu nariz. Agora sim, você pode ter certeza de que ele só acordará daqui a uns cento e trinta quilômetros, na hora de vomitar... Mas não demora e você tem uma idéia genial: "Vou mudar-me de poltrona!"
Logo que se levanta, você sente um alívio que seria quase um êxtase, não fosse a incômoda sensação de, provavelmente, ter tido contato com bacilos de tudo quanto é tipo de doença, desde a tuberculose e a hepatite, até uma multidão de enfermidades esquisitas que, com certeza, estão incubadas naquele chulé. No Japão, um cara desses certamente seria preso e multado pelas autoridades sanitárias; nos E.U.A, ficaria rico; no Congo, teria prestígio; na Alemanha, seria internado; no Irã, degolado; numa tribo Sioux, atenderia pelo nome de Avalanche-de-Merda.
Você se senta agora ao lado de um senhor careca, rechonchudinho, metido num terno como um boneco, com cara de professor de caligrafia... meio alienado e metido a filósofo e a bom assoviador. E é o que ele tá fazendo agora: assobiando com toda a força dos pulmões... Você se vira pra ele e pensa, assombrado: "Puta-quiu-merda, esse cara é aquele que tá assobiando sem parar, num tinha nem saído da rodoviária ainda o ônibus!" Mas o cara é sonso; ele pensa que o seu assombro é admiração, e infla-se ainda mais, desfazendo-se em sonoros floreios e galanteios. Tá "entrando numas", derretendo-se numa invencionice sentimental sem limites. Seu biquinho tremula e palpita saborosamente, parecendo bombear do fundinho da alma um mar inesgotável de poesia, de entardeceres banhados de nostalgia e luares plenos de beatífica esquizofrenia. A cabeça e o pescoço ondeiam, agitam-se e bamboleiam hidraulicamente. Ele está arrebatado por sua própria frescura. Emendou num devaneio irritante e parece que não vai desagarrar mais. A quantidade abusiva de efeitos que coloca em sua performance fazem com que uma simples frase de oito notas se transforme num interminável floreio de 60 notas, sendo que alguns parecem demandar uns dois mil litros de oxigênio pra chegarem ao fim, perfazendo uma viagem inteira de tremidos, lamentos, repiques, voluteios, trinados repletos de louca esperança, desfalecimentos, reverberações épicas e o caralho a quatro... Você olha pra cara do molesto e percebe claramente o tipo de pensamento que o acomete neste instante: ele acha que está revolucionando o mundo, ali, com a sua galinhagem musical, assobiando uma das canções mais entojadas de todos os tempos: Michelle, dos Beatles. Sua invencionice melíflua faz o repertório parecer ainda mais odioso. Só falta atacar depois com "Love Me Do"...
E assim, surfando estilosamente nas ondas da musicalidade infinita, ele tá convicto de que está proporcionando verdadeiro deleite à platéia... que todos lhe prestam atenção e o acompanham detidamente em cada transpôrte de sua inventiva... Pensa estar causando não só enlevo e amor, como também deslumbramento pelos recursos assobiatórios que domina de forma tão magistral, tão lírica, tão internacional. Mas o fato é que aquelas longas frases enfeitadas em excesso, cheias de malemolências e gingas jazzísticas, não são nada mais do que um confissão involuntária de gabolice e frescura.
Nota-se que ele está muito satisfeito consigo mesmo. De vez em quando dá uma olhadinha de esguelha pra conferir o efeito de seus gorjeios, com aquele olhar arregalado de quem tá luado pela bobeira... Depois de meia hora de concerto, ele pára de silvar e puxa conversa. É o tipo de sujeito que só sabe monologar, repetindo sempre os mesmos assuntos: as cartas que escreve pro presidente da república; a importância da boa letra; a antigüidade de sua estirpe (que tem raízes nos reis visigodos de Espanha); o perigo iminente de novos vírus, por enquanto raros, que estão aparecendo (com descrições bizarras das enfermidades que eles trazem); que é discípulo de Maquiavel; que compõe redondilhas em castelhano etc. _ tudo isto arrotando pomposamente, sempre que possível, algumas palavras "difíceis" de sua coleção, mescladas com erros primários de português, e intercalando seguidamente, a cada 3 ou 4 frases, a enigmática expressão: "O sobrenatural de Almeida!", como um tique psicótico, acompanhado de uma torcidinha de pescoço e um revirar de olhos; ou sussurra quase que imperceptivelmente a forma sincopada: "O’sobr’nald’mda ".
_ "... Embora seja inconcesso o uso do fumo nos veículos coletivos, algumas pessoas desafeitas ao trato civilizado costumam fazer-lho empiricamente no banheiro. O sobrenatural de Almeida! Como consumidor dos serviços desta viação a mais de trinta anos, por conseguinte não me acanho de forma alguma em apresentar os meus reclames à direção da empresa, a nível de protesto, veja bem, de toda vez que se me apercebo de tal situação. O sobrenatural de Almeida! Aliás, em tese, até onde alcança o meu entender, entendo que _ o’sobr’nald’mda _ o mal do brasileiro é não ser protestante dos seus direitos empíricos de entidade cívica a priori. O sobrenatural de Almeida! Ora, daí decorre, em raciocínio diretamente proporcional _ se me permite uma ligeira ilação aritmética _ o dogmatismo pragmático dos contraventores de plantão: ‘Dum ego salvus sim, pereat mundus’. O sobrenatural de Almeida!.. Eu costumo dizer que a política está em cada ato do ser; daí depreende-se incontestavelmente que o fluxo das matrizes sociais mais rudimentares devem reportar-se, não obstante, a um organicismo empírico, veja bem, porquanto condição sine qua non a nível de um convívio cordial, definido por Spencer como o leibnizianismo da ética bergsoniana. O’sobr’nald’mda... Permita-me repetir, de memória, uma carta que escrevi, em Esperanto, ao presidente da república, conclamando-o a que busque luz e alento para as suas funções federais, na filosofia da ‘Cultura Lógico-Racional Superior’, da qual faço parte na condição de tenente-trombonista e orador-adjunto da segunda brigada do Sudeste. O sobrenatural de Almeida!.." _ E depois de cinquenta minutos de monólogo; de balbuciar "O sobrenatural de Almeida" por 189 vezes, e repetir 3 vezes, palavra por palavra, letra por letra, tudo o que disse antes, a coceira crônica do assovio volta a lhe dominar... e ele naturalmente acha um pretexto pra recomeçar a agonia: "Há uma canção que ilustra perfeitamente esta dicotomia pré-kantiana entre o eu e o não-eu: fi-fi-fiii-fiuu-fiuiuiuiuiuiuiuiiu..."
Pra insulto do concertista, você se levanta rispidamente pra trocar novamente de poltrona... Vai sentar-se agora ao lado de um moreno de aparentes 40 anos, cabelos bem penteados (com uma gosma capilar, digamos assim, aromática), e aparentemente vestido e asseado com a preocupação de parecer uma pessoa de bem. Este fora no passado um bom bebedor e andara meio na sarjeta. Hoje é crente (limpinho e caprichoso), com um jeitão presumido de quem tem muita bosta pra cagar. Você faria bem se espancasse logo de cara este sujeito, pois ele vai surrá-lo com tanta chatice que a sua cabeça ficará a ponto de explodir. O cara, de começo, cisma de lhe contar toda a sua entusiasmante trajetória até o encontro de deus na Igreja Quadrangular do Ministério do Apocalipse; sobre como parou de jogar, fumar, trepar, e se acostumou com o gosto do leite e com o trabalho de tomar banho todos os dias _ tudo isso ilustrado com dezenas de casos interessantíssimos! Você nem tem tempo pra fingir que tá pegando no sono, porque quando ele pára de falar é só pelo tempo necessário pra prender a respiração, retesar os músculos e soltar um peidinho podre...
Agora, esta britadeira humana lhe agraciará com um longo discurso sobre as compatibilidades e incompatibilidades entre o sentimento evangélico e a prática desportiva, além de chicotear seus ouvidos por mais de 3 mil vezes com a palavra molécula ao dissertar-lhe em bases ‘científicas’ sobre a derrubada das muralhas de Jericó... Você já não agüenta mais, mas não há outra poltrona vaga. Mesmo assim, você se levanta, num reflexo desesperado... O outro lunático ainda está trinando feito um uirapuru esquizofrênico.
Você volta então, descontrolado, trêmulo de ódio, pro lugar mais salubre que lhe resta, que é ao lado do jeca odiento, sovaquento, baforento e chulezento, que expulsara a morena do seu lado no início da viagem... E por sinal, a danadinha não perdeu tempo: tá atracada com um branquicela esquelético, desajeitado, míope (um doente por excesso de estudo, que não sabe nem beijar). Você pensa: "Se ele fez isto, eu com certeza já a teria levado pro banheiro!"
Os seus dentes estão prestes a trincar, seu pescoço estala por dentro e de sua garganta saem sons involuntários, semelhantes aos de um ganso com cólica... A morena serpenteia-se todinha, já quase no colo daquele espectro. O movimento de suas ancas parece dizer: "Foda-me, foda-me, pelo amor de Deus!" E você, humilhado, de volta aos braços do mocorongo culpado de tudo, e que a esta altura, naturalmente, já vomitou no chão. Você olha pra trás e torna a ver a morena... Que seios suculentos e sedosos!.. já quase que totalmente à mostra, se esfregando naquela criatura leprética...
Embora seu rosto exiba uma sisudez profunda, a verdade é que você está à beira de um faniquito. Os seus nervos foram espezinhados de forma mesquinha, sistemática, persecutória. O caos ameaça tomar conta da sua mente; você precisa fazer algo... qualquer coisa! Se não extravasar suas emoções, corre o risco de ficar com alguma seqüela no sistema nervoso.
Então... depois de descarregar toda a sua revolta, com um murro caprichado, de cheio no olho do caipira adormecido, você, querido hiper-azarado _ alvo de uma conspiração cósmica _, acaba linchado pelos outros passageiros, revoltados com o seu ato (atiçados pela exuberante eloqüência do assobiador demente).
Logo que se levanta, você sente um alívio que seria quase um êxtase, não fosse a incômoda sensação de, provavelmente, ter tido contato com bacilos de tudo quanto é tipo de doença, desde a tuberculose e a hepatite, até uma multidão de enfermidades esquisitas que, com certeza, estão incubadas naquele chulé. No Japão, um cara desses certamente seria preso e multado pelas autoridades sanitárias; nos E.U.A, ficaria rico; no Congo, teria prestígio; na Alemanha, seria internado; no Irã, degolado; numa tribo Sioux, atenderia pelo nome de Avalanche-de-Merda.
Você se senta agora ao lado de um senhor careca, rechonchudinho, metido num terno como um boneco, com cara de professor de caligrafia... meio alienado e metido a filósofo e a bom assoviador. E é o que ele tá fazendo agora: assobiando com toda a força dos pulmões... Você se vira pra ele e pensa, assombrado: "Puta-quiu-merda, esse cara é aquele que tá assobiando sem parar, num tinha nem saído da rodoviária ainda o ônibus!" Mas o cara é sonso; ele pensa que o seu assombro é admiração, e infla-se ainda mais, desfazendo-se em sonoros floreios e galanteios. Tá "entrando numas", derretendo-se numa invencionice sentimental sem limites. Seu biquinho tremula e palpita saborosamente, parecendo bombear do fundinho da alma um mar inesgotável de poesia, de entardeceres banhados de nostalgia e luares plenos de beatífica esquizofrenia. A cabeça e o pescoço ondeiam, agitam-se e bamboleiam hidraulicamente. Ele está arrebatado por sua própria frescura. Emendou num devaneio irritante e parece que não vai desagarrar mais. A quantidade abusiva de efeitos que coloca em sua performance fazem com que uma simples frase de oito notas se transforme num interminável floreio de 60 notas, sendo que alguns parecem demandar uns dois mil litros de oxigênio pra chegarem ao fim, perfazendo uma viagem inteira de tremidos, lamentos, repiques, voluteios, trinados repletos de louca esperança, desfalecimentos, reverberações épicas e o caralho a quatro... Você olha pra cara do molesto e percebe claramente o tipo de pensamento que o acomete neste instante: ele acha que está revolucionando o mundo, ali, com a sua galinhagem musical, assobiando uma das canções mais entojadas de todos os tempos: Michelle, dos Beatles. Sua invencionice melíflua faz o repertório parecer ainda mais odioso. Só falta atacar depois com "Love Me Do"...
E assim, surfando estilosamente nas ondas da musicalidade infinita, ele tá convicto de que está proporcionando verdadeiro deleite à platéia... que todos lhe prestam atenção e o acompanham detidamente em cada transpôrte de sua inventiva... Pensa estar causando não só enlevo e amor, como também deslumbramento pelos recursos assobiatórios que domina de forma tão magistral, tão lírica, tão internacional. Mas o fato é que aquelas longas frases enfeitadas em excesso, cheias de malemolências e gingas jazzísticas, não são nada mais do que um confissão involuntária de gabolice e frescura.
Nota-se que ele está muito satisfeito consigo mesmo. De vez em quando dá uma olhadinha de esguelha pra conferir o efeito de seus gorjeios, com aquele olhar arregalado de quem tá luado pela bobeira... Depois de meia hora de concerto, ele pára de silvar e puxa conversa. É o tipo de sujeito que só sabe monologar, repetindo sempre os mesmos assuntos: as cartas que escreve pro presidente da república; a importância da boa letra; a antigüidade de sua estirpe (que tem raízes nos reis visigodos de Espanha); o perigo iminente de novos vírus, por enquanto raros, que estão aparecendo (com descrições bizarras das enfermidades que eles trazem); que é discípulo de Maquiavel; que compõe redondilhas em castelhano etc. _ tudo isto arrotando pomposamente, sempre que possível, algumas palavras "difíceis" de sua coleção, mescladas com erros primários de português, e intercalando seguidamente, a cada 3 ou 4 frases, a enigmática expressão: "O sobrenatural de Almeida!", como um tique psicótico, acompanhado de uma torcidinha de pescoço e um revirar de olhos; ou sussurra quase que imperceptivelmente a forma sincopada: "O’sobr’nald’mda ".
_ "... Embora seja inconcesso o uso do fumo nos veículos coletivos, algumas pessoas desafeitas ao trato civilizado costumam fazer-lho empiricamente no banheiro. O sobrenatural de Almeida! Como consumidor dos serviços desta viação a mais de trinta anos, por conseguinte não me acanho de forma alguma em apresentar os meus reclames à direção da empresa, a nível de protesto, veja bem, de toda vez que se me apercebo de tal situação. O sobrenatural de Almeida! Aliás, em tese, até onde alcança o meu entender, entendo que _ o’sobr’nald’mda _ o mal do brasileiro é não ser protestante dos seus direitos empíricos de entidade cívica a priori. O sobrenatural de Almeida! Ora, daí decorre, em raciocínio diretamente proporcional _ se me permite uma ligeira ilação aritmética _ o dogmatismo pragmático dos contraventores de plantão: ‘Dum ego salvus sim, pereat mundus’. O sobrenatural de Almeida!.. Eu costumo dizer que a política está em cada ato do ser; daí depreende-se incontestavelmente que o fluxo das matrizes sociais mais rudimentares devem reportar-se, não obstante, a um organicismo empírico, veja bem, porquanto condição sine qua non a nível de um convívio cordial, definido por Spencer como o leibnizianismo da ética bergsoniana. O’sobr’nald’mda... Permita-me repetir, de memória, uma carta que escrevi, em Esperanto, ao presidente da república, conclamando-o a que busque luz e alento para as suas funções federais, na filosofia da ‘Cultura Lógico-Racional Superior’, da qual faço parte na condição de tenente-trombonista e orador-adjunto da segunda brigada do Sudeste. O sobrenatural de Almeida!.." _ E depois de cinquenta minutos de monólogo; de balbuciar "O sobrenatural de Almeida" por 189 vezes, e repetir 3 vezes, palavra por palavra, letra por letra, tudo o que disse antes, a coceira crônica do assovio volta a lhe dominar... e ele naturalmente acha um pretexto pra recomeçar a agonia: "Há uma canção que ilustra perfeitamente esta dicotomia pré-kantiana entre o eu e o não-eu: fi-fi-fiii-fiuu-fiuiuiuiuiuiuiuiiu..."
Pra insulto do concertista, você se levanta rispidamente pra trocar novamente de poltrona... Vai sentar-se agora ao lado de um moreno de aparentes 40 anos, cabelos bem penteados (com uma gosma capilar, digamos assim, aromática), e aparentemente vestido e asseado com a preocupação de parecer uma pessoa de bem. Este fora no passado um bom bebedor e andara meio na sarjeta. Hoje é crente (limpinho e caprichoso), com um jeitão presumido de quem tem muita bosta pra cagar. Você faria bem se espancasse logo de cara este sujeito, pois ele vai surrá-lo com tanta chatice que a sua cabeça ficará a ponto de explodir. O cara, de começo, cisma de lhe contar toda a sua entusiasmante trajetória até o encontro de deus na Igreja Quadrangular do Ministério do Apocalipse; sobre como parou de jogar, fumar, trepar, e se acostumou com o gosto do leite e com o trabalho de tomar banho todos os dias _ tudo isso ilustrado com dezenas de casos interessantíssimos! Você nem tem tempo pra fingir que tá pegando no sono, porque quando ele pára de falar é só pelo tempo necessário pra prender a respiração, retesar os músculos e soltar um peidinho podre...
Agora, esta britadeira humana lhe agraciará com um longo discurso sobre as compatibilidades e incompatibilidades entre o sentimento evangélico e a prática desportiva, além de chicotear seus ouvidos por mais de 3 mil vezes com a palavra molécula ao dissertar-lhe em bases ‘científicas’ sobre a derrubada das muralhas de Jericó... Você já não agüenta mais, mas não há outra poltrona vaga. Mesmo assim, você se levanta, num reflexo desesperado... O outro lunático ainda está trinando feito um uirapuru esquizofrênico.
Você volta então, descontrolado, trêmulo de ódio, pro lugar mais salubre que lhe resta, que é ao lado do jeca odiento, sovaquento, baforento e chulezento, que expulsara a morena do seu lado no início da viagem... E por sinal, a danadinha não perdeu tempo: tá atracada com um branquicela esquelético, desajeitado, míope (um doente por excesso de estudo, que não sabe nem beijar). Você pensa: "Se ele fez isto, eu com certeza já a teria levado pro banheiro!"
Os seus dentes estão prestes a trincar, seu pescoço estala por dentro e de sua garganta saem sons involuntários, semelhantes aos de um ganso com cólica... A morena serpenteia-se todinha, já quase no colo daquele espectro. O movimento de suas ancas parece dizer: "Foda-me, foda-me, pelo amor de Deus!" E você, humilhado, de volta aos braços do mocorongo culpado de tudo, e que a esta altura, naturalmente, já vomitou no chão. Você olha pra trás e torna a ver a morena... Que seios suculentos e sedosos!.. já quase que totalmente à mostra, se esfregando naquela criatura leprética...
Embora seu rosto exiba uma sisudez profunda, a verdade é que você está à beira de um faniquito. Os seus nervos foram espezinhados de forma mesquinha, sistemática, persecutória. O caos ameaça tomar conta da sua mente; você precisa fazer algo... qualquer coisa! Se não extravasar suas emoções, corre o risco de ficar com alguma seqüela no sistema nervoso.
Então... depois de descarregar toda a sua revolta, com um murro caprichado, de cheio no olho do caipira adormecido, você, querido hiper-azarado _ alvo de uma conspiração cósmica _, acaba linchado pelos outros passageiros, revoltados com o seu ato (atiçados pela exuberante eloqüência do assobiador demente).
Seja o primeiro a comentar.
Postar um comentário